Como a IA Generativa Cria NPCs Mais Humanos em Baldur’s Gate 3

Vozes que nos encontram no caminho

Em Baldur’s Gate 3, os NPCs não são apenas figurantes que entregam recompensas. Eles são companheiros de jornada, espelhos de nossas escolhas, e às vezes até… nossos dilemas mais íntimos. Conversar com Karlach é como sentar à beira do rio Vaza-Barris, ouvindo histórias de saudade e força. Shadowheart hesita, como quem guarda segredos no fundo de um pote de barro enterrado no quintal da infância. Esses personagens parecem vivos — e essa vivacidade não vem só da escrita, mas da aplicação quase invisível, porém poderosa, da IA generativa no design narrativo.

Neste estudo de caso, vou explorar como Baldur’s Gate 3 alavancou tecnologias de IA generativa para criar NPCs mais humanos, examinando os sistemas de diálogos dinâmicos, reações emocionais adaptativas e algoritmos narrativos que sustentam essa magia interativa. Também trago uma entrevista exclusiva com Maria Costa, líder narrativa do fictício Estúdio Baiano, que analisa as lições que desenvolvedores independentes podem aprender com esse marco da Larian Studios.

Prepare seu grimório e vamos desvendar como a IA em BG3 pulsa como o coração da Bahia: com ritmo, emoção e ancestralidade narrativa.


Diálogos Dinâmicos: Vozes que mudam com o vento

Uma das joias narrativas de Baldur’s Gate 3 é seu sistema de diálogos vivos — não apenas ramificados, mas emocionais, reagindo ao tom, à história e até à moral do jogador. A IA generativa foi usada como um suporte para variar linhas com nuance, gerando respostas que mantêm coerência com o passado do personagem e a progressão do enredo.

Segundo análises de desenvolvedores no GDC 2025, a Larian usou ferramentas de geração textual interna para prototipar múltiplas variações de uma mesma fala, adaptadas ao humor do NPC, à relação com o jogador e à cena vivida. Não era uma IA escrevendo sozinha — mas uma aliada, sugerindo variações estilísticas com base em embeddings narrativos específicos.

Por exemplo, Astarion pode responder com sarcasmo ou vulnerabilidade ao mesmo comentário, dependendo da intimidade construída com ele. É como um repentista do sertão: ele improvisa, mas sempre com alma. A IA ajudou os roteiristas a expandirem essa alma em dezenas de nuances por linha.

Em fóruns como o r/BaldursGate3, jogadores relataram interações surpreendentes, como Lae’zel suavizando seu tom após o jogador respeitar suas tradições. São momentos pequenos, mas que somam como fiapos de uma rede emocional. Isso não teria sido possível sem uma IA capaz de sugerir alternativas com base no contexto acumulado.


Reações Adaptativas: Emoções que sentem junto

Outro ponto alto da IA em Baldur’s Gate 3 são as reações viscerais dos NPCs. Eles não apenas lembram o que fizemos — eles sentem. E essa sensação é o que transforma dados em drama.

Shadowheart desvia o olhar quando confrontada com verdades dolorosas. Karlach explode de alegria ao sentir calor, como alguém que reencontra o mar depois de anos. Essas microreações são controladas por sistemas adaptativos de resposta, que se apoiam em IA para identificar padrões emocionais e reações preferenciais.

A IA generativa foi usada para prever possíveis estados emocionais futuros e sugerir blocos de atuação compatíveis, com apoio de motion capture e sistemas de entonação vocal treinados com variações humanas. Não é apenas saber que ela está triste. É ver ela tentando esconder, porque a IA permitiu que os roteiristas previssem a curva emocional da cena.

Essas reações são particularmente eficazes durante os acampamentos, onde as defesas caem. Cada conversa noturna é uma espécie de roda de histórias, como no terreiro de casa, com silêncio, emoção e escuta. A IA aqui não substituiu o roteirismo — ela alimentou o coração narrativo, como lenha num fogão de barro.


Algoritmos de IA: A engenharia do invisível

Por trás da poesia emocional de BG3 está uma arquitetura robusta de IA generativa combinada com modelos probabilísticos e embeddings narrativos personalizados. O que diferencia esse sistema de um simples motor de diálogos é a capacidade de analisar contexto, respeitar memória e propor variações que não quebrem a coerência interna.

A Larian usou modelos próprios (sem base em LLMs abertos) para garantir privacidade criativa e controle narrativo. Segundo sessões técnicas da GDC 2025, os diálogos eram processados em clusters contextuais que consideravam três eixos: histórico de escolhas, afinidade com o jogador e moralidade predominante. Isso gerava modelos emocionais preditivos, permitindo que a IA sugerisse falas com tom e consequência.

Além disso, foi usado um sistema de data tagging emocional, no qual cada fala era associada a estados emocionais prévios e possíveis desdobramentos. A IA podia gerar variações para falas de raiva contida, tristeza resignada ou esperança teimosa, com base na jornada do NPC até aquele ponto.

A tecnologia não substituiu a equipe narrativa — ela foi o bicho-de-pé nos ouvidos dos roteiristas, cutucando possibilidades, desafiando padrões e oferecendo sementeiras de emoção. É como dizemos em Uauá: a IA foi o vento que levantou a saia da história, sem tirar sua dignidade.


Lições para Indies: Fazer muito com alma e intenção

Para estúdios independentes, a grandiosidade de Baldur’s Gate 3 pode parecer inalcançável. Mas como bem disse Maria Costa, diretora narrativa do Estúdio Baiano, é possível replicar a essência com simplicidade e alma.

Entrevista: Maria Costa, Estúdio Baiano de Narrativas Lúdicas

Helena: Maria, o que BG3 nos ensina sobre IA e emoção?
Maria: Que a IA precisa ser usada com escuta. Não é sobre automatizar falas, mas sobre sugerir possibilidades. Nós usamos GPT local treinado com nossas falas de personagens para sugerir variações em cenas de conflito. Como se fosse uma segunda voz dizendo: “e se ela dissesse isso em vez daquilo?”
Helena: E como isso se encaixa num orçamento indie?
Maria: A gente usa IA em partes específicas — nas falas que pedem mais nuance. O segredo é mapear os momentos-chave da narrativa. Um confronto de ideologias, um segredo revelado. E usar IA só onde a emoção precisa respirar mais fundo.
Helena: Qual foi o maior impacto?
Maria: Tempo criativo. Com IA, passamos menos tempo na repetição e mais na escuta dos personagens. Como diz minha avó: “quem ouve bem, escreve melhor.”

Para indies, a lição não é replicar a escala, mas a intenção narrativa. IA generativa pode ser usada em sistemas leves, como Twine, Ink ou Yarn Spinner, combinada com scripts que analisam sentimentos ou constroem variações com base em parâmetros simples. O importante é manter o calor humano mesmo quando a máquina sopra o vento.


Um chamado para criar com emoção

Baldur’s Gate 3 não nos impressiona apenas pelo tamanho, mas pela intimidade. Seus NPCs não são robôs com rostos bonitos — são memórias interativas, pedaços de drama que reconhecem nosso toque. Eles discutem, abraçam, hesitam, como qualquer pessoa numa roda de sanfona e saudade.

Este estudo mostra que IA generativa, quando usada com respeito e intuição, pode costurar silêncios e suspiros numa narrativa. A tecnologia não rouba o protagonismo — ela sustenta, orienta, e às vezes, emociona mais do que palavras humanas dariam conta.

Se você é um criador indie, pense nisso: que vozes sua história está tentando esconder? Que emoção pede para ser ouvida entre as falas? Use a IA como sua parceira de roda. Que seus NPCs falem como gente. Que eles parem, hesitem, errem e aprendam — como nós.

Porque no fim, o que toca o coração não é o gráfico nem a mecânica — é a sensação de que, por alguns instantes, alguém lá dentro sentiu algo de verdade.


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